Declaração de Edgar Correia, membro da Comissão Política do Comité Central, Conferência de Imprensa

O acesso ao ensino superior: a posição do PCP

O PCP pronuncia-se negativamente em relação à orientação estabelecida pelo Ministério da Educação e agora aprovada pelo Conselho de Ministros no que respeita aos exames do ensino secundário e ao acesso ao ensino superior.

Em primeiro lugar pelo carácter tardio da fixação de orientações pelo Governo - repare-se que é já na próxima segunda feira que está previsto que os alunos do ensino secundário deverão começar a inscrever-se em exames nacionais cujos objectivos e funções ainda ontem à noite estavam a ser considerados em Conselho de Ministros. E a que acresce a ausência de debate público, prévio, de questões de reconhecida complexidade - científica e pedagógica, educativa e social - e cuja crucial importância para o futuro de dezenas de milhar de jovens ninguém pode ignorar.

Em segundo lugar é também de anotar criticamente o facto do Governo do PS manter o essencial das orientações estabelecidas pelos governos do PSD, quer no que respeita à concretização do despacho sobre a avaliação do ensino secundário de Couto dos Santos, que prevê uma acrescida selectividade através da institucionalização de exames nacionais de conclusão do ensino secundário, quer em relação à manutenção de um sistema de acesso ao ensino superior particularmente injusto.

A circunstância do próprio Conselho de Ministros se referir ao carácter transitório da fórmula estabelecida constitui o evidente reconhecimento de que os alunos vão ser submetidos a um sistema que não serve e que por isso necessita de ser modificado. A menos que se trate de uma afirmação destituída de sinceridade e destinada apenas a conter as justas críticas que começam a generalizar-se em relação à orientação aprovada pelo Governo.

Tem um significado particularmente negativo que o Ministério da Educação aborde a questão do acesso ao ensino superior sem equacionar, por um momento que seja, a eliminação do injusto sistema de numerus clausus, que todos os anos impede dezenas de milhar de estudantes, devidamente habilitados, de ingressarem em estabelecimentos públicos desse grau de ensino.

A fixação do chamado "valor mínimo" da nota de candidatura ao ensino superior, em circunstâncias em que a nota de candidatura pode estar contaminada por classificações empoladas relativas ao período de escolaridade no ensino secundário, apenas como instrumento artificial de controle dos fluxos escolares (o que levou o Ministério da Educação a admitir valores mínimos muito inferiores a 10 numa escala de 0 a 20), não constitui uma medida aceitável. E o carácter facultativo do estabelecimento desse "valor mínimo" para os exames nacionais que, sob pressão dos lobbies das escolas privadas, o Conselho de Ministros decidiu ontem à noite, representa uma emenda pior que o soneto que traduz o completo desnorte do Governo num ponto muito importante da política educativa.

Importa ainda sublinhar que a introdução de exames nacionais no ensino secundário, no contexto de um sistema de avaliação que visa apenas aumentar a selectividade sem melhorar de facto as condições de aprendizagem dos alunos, não resolve o problema da melhoria da qualidade da educação nesse grau de ensino nem contribui para a melhoria do ensino superior.

O Ministério da Educação quer impor a realização de exames nacionais obrigatórios no final do ensino secundário acenando com a eliminação das anteriores provas específicas e com a utilização de algumas das classificações dos exames do ensino secundário (disciplina de base e disciplinas específicas) para a definição da nota de candidatura ao ensino superior. Este sistema, além de incumprir a Lei de Bases do Sistema Educativo (que estabelece que a prova de capacidade para frequência do ensino superior deve ser cumulativa com a habilitação com um curso do ensino secundário), vem criar novas dificuldades e potenciar novas injustiças. Como seja: a de permitir que o resultado de um único exame possa ter um peso maior do que 60% na nota de ingresso no ensino superior, o que é claramente excessivo; e do local de realização dos exames nacionais - que terão lugar na própria escola em que o aluno se inscreveu - poder favorecer actuações menos lícitas já detectadas no passado em alguns estabelecimentos, em especial do ensino privado, e provocar desigualdades muito acentuadas entre os alunos em provas de decisiva importância para o seu futuro.

Nove propostas do PCP

O PCP - apoiado na reflexão e nas propostas das suas várias comissões que intervêm na área educativa - ao mesmo tempo que valoriza a dimensão científica e pedagógica que deve presidir aos processos de avaliação das aprendizagens, recusa terminantemente a instrumentalização dos sistemas de avaliação escolar ao serviço da regulação economicista dos fluxos dos alunos entre os diferentes níveis de ensino e para os diferentes destinos escolares.

Tendo fundamentadamente criticado o regime de avaliação dos alunos do ensino secundário implementado pelo despacho normativo nº 338/93 do ex-ministro Couto dos Santos e reclamado na AR a suspensão legislativa da sua vigência (Projecto de Lei nº 408/VI), o PCP tem particular legitimidade para se opor à concretização que o Governo do PS pretende prosseguir de um propósito de aumento da selectividade no acesso ao ensino superior desligada da melhoria efectiva das condições de aprendizagem dos alunos.

No que respeita ao acesso ao ensino superior o PCP tem sido vivamente crítico do sistema vigente, que conjuga a existência de numerus clausus, que só limitam gravemente o acesso aos estabelecimentos de ensino superior público, com um regime de acesso particularmente injusto e perverso, que visa encaminhar todos os anos dezenas de milhar de estudantes para cursos que não desejam e para escolas privadas, muitas das quais desprovidas de qualidade. E por essa razão tem defendido na Assembleia da República um Projecto de Lei que propõe um novo e mais justo regime de acesso ao ensino superior.

Em coerência com o que têm sido as posições do PCP em relação à avaliação dos alunos do ensino secundário e ao regime de acesso ao ensino superior, e sem prejuízo de ulteriores ajustamentos que o debate científico e pedagógico recomende, são publicamente apresentadas as seguintes nove propostas:

1ª A classificação do ensino secundário deve estar ligada ao estímulo do sucesso educativo dos alunos e à promoção da qualidade do sistema educativo, e deve depender exclusivamente dos processos e resultados da avaliação interna conduzidos nas próprias escolas.

2ª A eliminação do numerus clausus, no sentido de restrição quantitativa, de carácter global, no acesso ao ensino superior público, deve ser realizada no prazo de três anos lectivos. Em relação ao próximo ano lectivo isto deve significar, nomeadamente, que o Ministério da Educação deverá prestar apoio a todos os planos sustentados de expansão que os próprios estabelecimentos públicos de ensino superior apresentem.

3ª O acesso ao ensino superior deve ser realizado no quadro definido pela Lei de Bases do Sistema Educativo (Artigo 12º), de habilitação com curso secundário, ou equivalente, cumulativamente com prova de capacidade para a frequência do ensino superior.

4ª A prova de acesso ou provas de acesso, de avaliação de capacidade, também nos termos da Lei de Bases do Sistema Educativo, deverão ter âmbito nacional e ser específicas para cada curso ou grupo de cursos afins.

5ª Os júris para a elaboração destas provas nacionais de acesso devem integrar professores do ensino secundário e do ensino superior, devendo ser garantida a sua adequação aos programas efectivamente leccionados no ensino secundário.

6ª Para diminuir a contingência dos exames, cada prova nacional de acesso deverá ter duas oportunidades de realização cumulativas, sendo tomada em consideração a nota mais elevada obtida pelo aluno, no caso de ter optado por comparecer nas duas oportunidades.

7ª Os alunos deverão ser distribuídos aleatoriamente, por concelho, em princípio, pelas salas destinadas à prestação de provas, de forma a garantir condições de igualdade na realização dos respectivos exames.

8ª A nota de candidatura aos estabelecimentos públicos e privados do ensino superior deverá ser calculada: - 50% correspondente à média das classificações obtidas na prova ou provas nacionais de acesso (específicas); - 50% correspondente à média das classificações obtidas nos 10º, 11º e 12º ano de escolaridade.

9ª Para evitar a situação, indesejável e geradora de injustiças, de se registarem classificações obtidas durante o período de escolaridade, anormalmente baixas ou elevadas, consoante os estabelecimentos de ensino secundário frequentados pelos alunos, seja em resultado de assimetrias regionais ou culturais, seja em consequência da falta de isenção e de seriedade na atribuição de classificações, deverá proceder-se à correcção estatística das classificações do ensino secundário, que assegure aos estudantes uma maior justiça relativa, com base na comparação destas com as obtidas nas provas nacionais de acesso (específicas).

As presentes propostas não configuram um "modelo" definitivo de avaliação dos alunos no ensino secundário e de acesso ao ensino superior, antes se ligam com a observação e a experiência das condições em que se desenvolvem actualmente os processos de ensino / aprendizagem e a sua avaliação.

O aperfeiçoamento destes processos, o desenvolvimento de uma escola pública de qualidade para todos os portugueses, estamos certos que tornarão possível a prazo a concretização de uma perspectiva em que a transição do ensino secundário para o ensino superior se realize de uma forma justa.

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