Intervenção de Carlos Carvalhas, Secretário-Geral, XVI Congresso do PCP

Abertura do XVI Congresso

Caros amigos e camaradas Estimados convidados nacionais e estrangeiros

Quero começar por agradecer a vossa presença e quero saudar especialmente todos os camaradas delegados e pelo seu intermédio saudar todo o colectivo partidário de que são representantes e as populações das regiões de onde são originários. Estando certo que interpreto o sentir dos delegados, quero daqui saudar também o camarada Álvaro Cunhal que por motivos de saúde não pode estar entre nós, mas que nos enviou uma saudação, que será lida neste Congresso.

Camaradas:

Após um intenso e prolongado trabalho preparatório, os comunistas portugueses realizam este Congresso com a determinação e a confiança de que o PCP continuará a honrar as suas responsabilidades perante os trabalhadores e o povo e que saberá congregar esforços, vontades e energias na sua luta pelo bem estar dos portugueses, pelo progresso do País, pela democracia e o socialismo.

Os delegados ao XVI Congresso, democraticamente eleitos pelos militantes do Partido, com inteira liberdade de opinião e de voto, exercerão a soberania de decisão que os Estatutos do Partido e o Regulamento aprovado lhes conferem.

Mas queremos sublinhar que obreiros deste Congresso como momento especialmente importante da vida do Partido são todos, mas todos, os membros do Partido, que de alguma forma contribuíram para a sua preparação, que participaram em reuniões e assembleias de debate e eleição de delegados, que defenderam os seus pontos de vista, quer eles tenham sido concordantes com as teses ou a elas contrários, que exerceram plenamente os seus direitos, deveres e responsabilidades de membros do Partido.

O modo como preparamos o nosso Congresso e procuramos envolver o Partido na sua realização marca uma significativa diferença em relação aos outros partidos.

De facto, por maiores que sejam as nossas deficiências, não se pode deixar de salientar que, só no PCP há um período de auscultação inicial dos militantes no arranque da preparação do Congresso; que só no PCP a Direcção presta e coloca para apreciação de todos os militantes uma larguíssima informação e reflexão sobre a acção desenvolvida com um tão amplo reconhecimento das nossas debilidades e dificuldades. Só no nosso Partido o conjunto de militantes tem a possibilidade de, além de eleger delegados, discutir durante quase dois meses os documentos propostos, e de terem acesso à circulação de opiniões divergentes de militantes (como aconteceu com a Tribuna do Congresso no Avante! que publicou cerca de 200 textos) e de previamente os militantes terem conhecimento do projecto de Regulamento do Congresso.

Isto não significa nenhuma jactância ou arrogância, na exacta medida em que, reclamando para nós próprios padrões de exigência diferentes dos outros partidos, não nos custa reconhecer que precisamos de continuar a reflectir abertamente sobre a forma de melhorar o funcionamento da nossa vida interna e designadamente sobre a necessidade de assegurar a maior participação e envolvimento dos militantes nas decisões colectivas, bem como a de garantir uma melhor informação ao Partido.

A tal ponto assim é, que aqui reafirmamos ser inteiramente natural e legítimo que os membros do Partido discutam ou reflictam, por vezes com assinaláveis divergências, ou mesmo que exprimam grandes insatisfações sobre a nossa democracia interna pronunciando-se sobre as formas de a ampliar e fortalecer.

Mas o que não consideramos nem natural nem legítimo é que tanta gente, designadamente nos media, venha, na base da ignorância, da caricatura e da deturpação, caluniar as nossas formas de funcionamento democrático quando nunca leram os estatutos de outros partidos (e que os faria aprender que têm muitas regras idênticas às que criticam no PCP); nunca se interessaram por saber como são eleitos os delegados aos Congressos dos outros partidos; não fizeram nenhum escândalo quando num Congresso do PP a votação foi feita às 4 horas da manhã, com metade dos delegados já em "vale de lençóis", não lhes suscitou especial indignação as "carradas" de inerências nos Congressos do PSD e as massivas desistências dos oradores inscritos a favor dos barões; não lhes produziu especial admiração um Congresso do PS em que o Regulamento nem sequer foi votado pelos delegados porque tinha sido aprovado anteriormente pela Comissão Nacional.

Na abertura do nosso Congresso, não vale a pena ignorar que, apesar de na maior parte das organizações se ter feito o debate político das teses em circunstâncias normais e com vivacidade, a preparação do XVI Congresso foi, em certos aspectos, perturbada e agitada por um conjunto de situações e factores que causaram inquietação e preocupação no colectivo partidário.

Com efeito, num processo que pode ter as suas raízes mais atrás, mas que se desenvolveu mais agudamente no último ano e meio, a verdade é que um conjunto de atitudes pouco ponderadas, de procedimentos irregulares ou mesmo anti-estatutários, de acusações e insinuações quer relativas a um suposto perigo de descaracterização e social democratização do Partido, quer relativamente ao perigo do seu enquistamento ou fechamento sectário e obreirista, de intervenções à margem dos Estatutos pela via das estruturas partidárias, de utilização anónima dos "media" como veículos para a revelação de debates ou decisões de órgãos do Partido mas também para a intriga e a intoxicação da nossa vida interna, de formação de correntes informais de opinião caracterizadas por uma grande rigidez, contraposição e crispação - pesaram negativamente em diversas áreas partidárias. E causaram desgostos, amargura e preocupação em muitos camaradas, dificultaram a escuta recíproca, prejudicaram o devido respeito por opiniões divergentes, geraram aqui e ali dinâmicas muito centradas sobre estes factores e em grande parte descentradas da discussão de análises ou orientações.

A este respeito, aqui mesmo perante o Congresso, queremos reafirmar três coisas com muita clareza e segurança.

A primeira é que todas as tomadas de posição do Comité Central, dos seus organismos executivos e do Secretário-geral do Partido foram sempre, de princípio a fim, não apenas contrárias a qualquer clima de suspeição, desconfiança, crispação e violação das regras de funcionamento do Partido e da lealdade que os comunistas devem uns aos outros, mas também firmemente favoráveis a um debate político e ideológico feito sem tabus ou constrangimentos, caracterizado pela elevação, serenidade e respeito mútuo e baseado numa activa compreensão de que a existência e expressão de divergências tem de ser vista não apenas como natural ou inevitável, mas como um factor de enriquecimento e crescimento. Isto não significa, contrariamente a algumas ideias feitas e divulgadas que a Direcção do Partido não se julgue isentada de responsabilidades relativamente a todo o processo. Subestimamos certamente factos e acontecimentos cuja gravidade nas suas consequências e desenvolvimentos não avaliamos devidamente, e não as atalhámos através de uma intervenção política e partidária mais incisiva e em tempo oportuno. Há ensinamentos que todos devemos colher.

A segunda é que, apesar de órgãos de informação terem anunciado e dado como certa, por várias vezes, a eminência de uma revoada de sanções disciplinares e de uma alegada "purga", a verdade é que nem uma nem outra coisa aconteceram, numa opção deliberada, de que não nos arrependemos, de dar prioridade ao terreno do debate político.

A terceira é que, sem prejuízo de visões diferenciadas ou mesmo opostas sobre as responsabilidades determinantes na origem e desenvolvimento destes aspectos na vida interna do Partido, e também sem prejuízo de insatisfações diversas quanto às análises e orientações propostas, a verdade é que as principais linhas de preparação e as orientações e propostas adoptadas desde Janeiro deste ano quanto à preparação do Congresso obtiveram quase sempre ou a unanimidade ou um larguíssimo consenso no Comité Central.

Foi por unanimidade que o Comité Central aprovou a Resolução de 5 e 6 de Fevereiro, sobre os objectivos políticos do Congresso e a respectiva Nota de Trabalho destinada a apoiar a 1ª fase de auscultação aos militantes do Partido.

Foi por unanimidade que o Comité Central aprovou na generalidade a Resolução de 16 e 17 de Junho, contendo as principais propostas para a preparação do Congresso e a elaboração das Teses, incluindo a proposta de não propor alterações ao Programa e Estatutos (com a única excepção de votações sobre duas matérias específicas: estruturas de direcção central e dimensão do Comité Central).

Foi apenas com dois votos contra e 12 abstenções que o Comité Central aprovou as Teses - Projecto de Resolução Política a submeter a debate em todo o Partido e que, posteriormente, com uma votação similar aprovou a Proposta de Resolução Política que o Congresso é chamado a discutir e votar.

E se lembramos hoje aqui estes factos objectivos e incontroversos não é nem para fazer um descabido culto ao unaninismo (que não faz parte da nossa cultura democrática) nem para identificar votos a favor na generalidade com concordância com tudo o que se votou. Não. Se lembramos estes factos é apenas para que não se esqueça que eles revelam que a inegável existência de opiniões individuais exprimindo diversas concepções, reflexões e maneiras de pensar, não impediu que, quanto às principais orientações para a preparação do congresso e quanto às propostas a colocar em debate no Partido, houve na generalidade, totalidade ou quase totalidade dos membros da direcção do Partido o sentimento e a opinião de que representavam uma base comum de unidade e trabalho colectivo que não feria a consciência e as convicções de cada um, e que permitia continuidade do esforço e comum compromisso de intervenção de todos.

Poder-se-à dizer, e não sem razão, que isto não é tudo, que, para lá das orientações e propostas apresentadas há procedimentos, atitudes e palavras que também pesam, magoam e criam distância.

Sem dúvida. Mas quem for capaz ou quiser assumir a responsabilidade de defender o presente e o futuro do Partido estará em condições de perceber que o elemento fundamental para avaliar o futuro rumo político, ideológico e orgânico do Partido é o que constar da Resolução Política que o Congresso votar, são as orientações e propostas que dela constarem que a todos nos vincularão (a começar pelo Comité Central que for eleito) e que nenhumas outras diferentes orientações, concepções, atitudes ou procedimentos de responsabilidade individual manifestados durante a preparação do Congresso, ou interpretações sobre os acontecimentos recentes, terão o direito de se apresentar como orientação ou linha pretensamente autêntica do Partido.

Pela nossa parte, não avalizámos escritos e leituras simplistas de um processo complexo sobre derivas social-democratizantes ou derivas sectárias e obreiristas que sempre combateremos. E queremos afirmar que faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para que as decisões e orientações que aqui tomarmos, conduzam à superação dos problemas e estabeleçam em todo o Partido o clima de fraternidade, de inter-ajuda e respeito mútuo que são património do nosso estilo de trabalho, bem como o respeito pelo "pacto" de solidariedade e lei fundamental do Partido que são os Estatutos do Partido.

E continuamos a insistir que o que é essencial no Partido e também neste Congresso é que se debatam as ideias, propostas, orientações e linha política do Partido e que não nos enredemos na discussão em torno de factos passados reprováveis que só nos conduziriam ao adensamento de feridas e incompreensões.

Situação internacional e a luta pela transformação social no limiar do século XXI

Ao interrogarmo-nos para onde vai o mundo, ao analisarmos a situação internacional, contradições, chagas sociais, lado a lado com a opulência, a riqueza e a ostentação, ao olharmos para as fulgurantes conquistas da ciência e da técnica e para a extrema pobreza em que vivem milhões de seres humanos, mais claro se torna a condenação de um sistema fundado sobre a exploração, a alienação e a dominação e a exigência da luta por uma sociedade mais justa mais fraterna assente no contínuo aprofundamento da democracia em todas as suas vertentes e liberta das injustiças do capitalismo: o socialismo num projecto renovado.

A concentração de riqueza e a acentuação das desigualdades

Ano após ano os relatórios da ONU sobre o desenvolvimento humano são um inequívoco libelo acusatório ao sistema e à sua forma dominante o neoliberalismo.

Ainda agora na recente reunião de Setembro em Praga, do FMI e do Banco Mundial, onde normalmente uma prédica abstracta sobre a pobreza e as crescentes desigualdades é constantemente repetida, o presidente do BM viu-se obrigado a fazer eco com as grandes manifestações antiglobalização capitalista, afirmando "que actualmente, 20% da população mundial controla 80% da economia global, e que em dez anos, os seus rendimentos duplicaram". E se decompuséssemos estes números veríamos ainda que, em relação aos 20% da população mundial uma pequena percentagem concentra a maioria da riqueza e do património dessas sociedades continuando a acentuar-se em termos relativos às desigualdades sociais.

Mesmo aqueles que fazem o proselitismo do "modelo americano" e que afirmam, com verdade, que o próximo presidente dos EUA herdará um país mais próspero do que há oito anos, não deixam de acrescentar: mais próspero mas também mais desigual e com mais contradições.

Um por cento (1%) dos americanos detêm 38% da riqueza nacional, enquanto 80% não ultrapassa os 17% (1)

A crescente centralização e concentração de capitais a nível mundial com a consequente polarização de riqueza é uma evidência. Como é uma evidência que a acumulação do capital e a exploração dos trabalhadores são dois processos interdependentes e inseparáveis.

Aumenta a economia especulativa. A espiral da economia de casino mundial, onde já se "especula com a especulação" (produtos derivados, cotações bolsistas ultra valorizadas, altas cotações de empresas praticamente falidas), engendrando novas contradições e perigos de novos colapsos devastadores.

Chegou-se a um estádio em que o anúncio de despedimentos massivos por parte de grandes multinacionais, inculcando a ideia ou a ilusão de mais dividendos é logo seguida de aumentos da cotação em bolsa das suas acções...

É a maximização do lucro a comandar a vida. É o cúmulo da irracionalidade e da incoerência. A admitir-se tal lógica então teríamos de concluir, como já alguém disse que como o emprego depende do crescimento, o crescimento da competitividade e a competitividade da capacidade de suprimir empregos, então para se lutar contra o desemprego, nada melhor do que os despedimentos!

A ofensiva ideológica e a liquidação de conquistas em nome da competitividade

Mas se a constatação das injustiças, das contradições e da irracionalidade são incontornáveis, é verdade também, que não faltam ideólogos bem remunerados a, por um lado tentarem demonstrar que não há alternativas ao capitalismo (fim da história, capitalismo fase terminal da evolução da humanidade) e, por outro a procurarem mostrar que este se pode "humanizar", que as consequências não são do sistema mas das suas falhas...

Os avanços do neoliberalismo, a livre circulação de capitais, a extensão da livre circulação de cada vez mais mercadorias e serviços, a integração dos países de Leste no sistema têm criado um quadro qualitativamente novo, aumentando as reservas e a margem de manobra e de adaptação do capitalismo, exprimindo-se em duas direcções:

1ª. As multinacionais passam por cima dos Estados e vão liquidando, absorvendo ou submetendo as actividades produtivas nacionais autónomas mais rentáveis, as industrias tradicionais e os ramos mais modernos. Transformam-se assim as economias nacionais em economias cada vez mais dependentes, "satelitizadas" e subsidiárias do capital estrangeiro e dos países mais desenvolvidos.

À medida que o neoliberalismo ganha terreno com os Estados a derrubarem as protecções às suas actividades e às suas industrias nascentes aumenta a chantagem da competitividade.

De facto, com a amputação de crescentes parcelas da soberania dos Estados dos países com economias mais débeis e com a liquidação ou absorção das actividades nacionais mais rentáveis, estes países ficam cada vez mais dependentes do investimento estrangeiro, que por sua vez exige cada vez mais desregulamentação, "contenção" dos salários, liquidação de direitos e conquistas sociais e crescentes apoios dos governos, tudo em nome da competitividade, assente na diminuição dos custos unitários do trabalho

Colocam os Estados em "concorrência" quanto aos níveis de benefícios e apoios oferecidos. É o quem dá mais. Se os apoios e benefícios não são suficientes, ou não há investimento, ou há deslocalização para outra "economia mais competitiva". Com esta pressão e chantagem a tendência é para a liquidação de conquistas sociais e para a nivelação por baixo, isto é, pelos Estados com mais desregulamentação e onde os salários são mais baixos.

Mas esta ofensiva que é sempre embrulhada com uma intensa propaganda ideológica, tem encontrado a resistência, a ofensiva e a denúncia e a luta dos trabalhadores, dos sindicatos, do movimento popular e das forças revolucionárias e progressistas.

Para combater a resistência e a luta procura-se difundir a ideia de que com o avanço do livre cambismo (veja-se a argumentação da OMC; dos textos que serviram de suporte ao AMI - Acordo Multilateral de Investimentos, e à Cimeira de Seatlle; Davos; etc.) toda a humanidade ganhará. Que a intensificação e extensão da "globalização" capitalista, facilitada também pelo desenvolvimento científico e técnico é uma necessidade do desenvolvimento e uma fatalidade a que é necessário que os assalariados e as economias dependentes se "adaptem". A "adaptação" continua a ser a palavra chave!

E nesta mistificação a chamada "nova economia" é apontada como a única e a grande direcção estratégica do desenvolvimento e é erigida como a grande tábua de salvação dando-se como ilustração as elevadas cotações bolsistas, que como também se sabe aos primeiros sinais de crise não deixaram de se afundar.

Não se nega a importância das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) e as inovações e impulsos que estas introduzem em vários domínios que não se resumem a um tratamento mais rápido e mais eficaz da informação. Mas o que se vê é de novo o retorno a um determinismo tecnológico procurando ignorar as relações sociais e as contradições antagónicas do modo de produção capitalista.

E mesmo os que prevêem que as tecnologias da informação e da comunicação serão o eixo central do regime de acumulação do século XXI reconhecem que não têm qualquer base sólida para o afirmar. E salientam que os novos instrumentos financeiros e as novas tecnologias têm permitido uma especulação digna das mais espectaculares "bolhas" financeiras do passado.

As novas realidades e as mudanças no desenvolvimento do capitalismo, facilitado pela livre circulação de capitais e impulsionada pelas novas tecnologias, os novos aspectos da exploração e da dominação, as mutações que estão a operar-se no Estado nacional e no poder capitalista em geral, a corrupção e as cadeias dos tráficos e do crime organizado exigem o aprofundamento da análise e da investigação em cooperação com as diversas forças revolucionárias e progressistas. Cooperação que é também cada vez mais exigida no desmascaramento das linhas ideológicas que procuram estabelecer a "globalização capitalista" como inevitável, sem alternativa e a apresentar o capitalismo desacreditado, com um novo rosto, com um "rosto humano"!

É assim que para se responder ao descrédito do capitalismo, se relança sobre diversas formas e sobre diversos nomes, o chamado capitalismo popular agora rebaptizado e teorizado por alguns, por "capitalismo de partilha".

O "pivot" desta teoria é o accionista assalariado, como instrumento do "novo contrato social". Com o chamariz de um complemento de rendimento e a "conversa" de uma partilha mais equilibrada das riquezas criadas o que se pretende é criar uma maior dependência dos assalariados à sorte da empresa dando-lhes a ilusão de pertença à dita. É um projecto de integração dos trabalhadores à rentabilidade financeira e à economia de casino, facilitando-se, inclusivamente pelo seu endividamento e recurso ao crédito, a compra de acções. O que se pretende é claro: se há "capitalismo de partilha" há também a partilha dos riscos à custa dos assalariados ...

E há até quem afirme que com a Internet qualquer pessoa pode tornar-se um capitalista individual em que uma parte da sua remuneração é obtida através da sua carteira de acções. O empregado "sentir-se-à mais accionista do que assalariado!"

O que não conseguem é disfarçar as mistificações alienatórias, a exploração e os seus resultados práticos: a cada vez maior concentração da riqueza.

A irracionalidade do sistema, do tudo à competitividade e ao produtivismo na mira do máximo lucro tem depois a sua tradução nos desastre ecológicos, nos desastres alimentares (como é o caso das "vacas loucas"), em que um recente relatório oficial em Inglaterra denuncia dez anos de mentiras, de manipulação da opinião pública em proveito da industria agroalimentar. E não é só na Inglaterra. Leia-se o relatório que o PCP apresentou na Assembleia da República sobre este assunto.

No limiar do novo milénio, as contradições entre as possibilidades libertadas pelo desenvolvimento das forças produtivas, pela conquista das ciências, de que é expressão a recente identificação das sequências do ADN humano e a situação em que se encontra uma boa parte da humanidade, os dramas da América Latina, da África, da generalidade dos países do Terceiro Mundo, a corrida aos armamentos, os flagelos da droga e da sida; a "ameaça para a saúde de todos os humanos" como hoje se referem destacados membros da comunidade científica relativamente ao vírus do Ébola que reaparecem no Uganda e que pode transformar-se em epidemia, exige também dos comunistas e de todos as forças progressistas a luta e uma cada vez maior cooperação, convergência de acções por um rumo diferente da marcha da Humanidade.

E isto sem subestimar que continuam a pesar negativamente na correlação de forças a nível internacional e no poder de atracção do projecto de uma nova sociedade, as derrotas do socialismo na Europa de Leste, provocadas por deformações, erros, desvios, substituição da acção política por medidas repressivas, orientações e acções que se traduziram num "modelo" que não correspondia nem corresponde aos ideais do comunismo, como já há dez anos desenvolvidamente analisámos e declarámos, embora muitos fora do Partido e alguns dentro do Partido, falem por vezes como se só tivéssemos falado assim desde há uns meses ou que nunca tivéssemos mesmo dito nada.

A implosão da URSS e do "sistema socialista mundial" alterou profundamente a correlação de forças a nível mundial, abriu novos mercados à expansão do capitalismo e permitiu novas ofensivas do imperialismo.

A "globalização" económica capitalista que constitui de facto o traço dominante desta época tem vindo a ser completada por um projecto estratégico global em matéria de "segurança", que garanta pelas armas a "nova ordem".

A guerra de agressão à Jugoslávia é um exemplo claro no processo de militarização e de intervencionismo e foi também o pretexto que os EUA utilizaram para a rápida adopção do novo conceito estratégico da NATO, alargando a área da sua intervenção e afirmando-se claramente ofensivo no quadro da imposição da "nova ordem" que facilite a política de exploração e opressão do grande capital.

E neste quadro a ideologia da globalização, a ideologia do "pensamento único" assente no neoliberalismo (privatizações, menos Estado, competitividade, livre cambismo, desregulamentação) é apresentada como a que indica o caminho capaz de resolver os problemas do desenvolvimento de cada país e da Humanidade.

Uma das suas grandes direcções é o clássico "menos Estado" para o povo, "mais Estado" para o capital, reduzindo, liquidando e privatizando as suas funções sociais, aumentando as posições coercivas, limitação de direitos e conquistas, anulação de condições indispensáveis para a prática de uma cidadania activa e participativa.

A solidariedade recíproca

É nesta correlação de forças que se desenvolve a acção e a intervenção e a luta dos trabalhadores, dos povos, por um mundo mais humano e menos desigual. Que se processa a luta e a resistência dos trabalhadores e dos povos, das forças revolucionárias e progressistas, procurando acumular forças, defendendo conquistas e a soberania como é o caso de Cuba ou conseguindo mesmo importantes vitórias como foi o caso de Timor-Leste sobre o ocupante indonésio.

O PCP orgulha-se de, no quadro das suas forças, não ter faltado com a sua solidariedade activa às mais diversas lutas dos trabalhadores e dos povos e expressa-a neste momento ao martirizado povo da Palestina. O nosso XVI Congresso é também uma expressão de cooperação da solidariedade recíproca com os partidos comunistas, forças progressistas, com os trabalhadores e o movimento operário, que daqui saudamos fraternalmente, assim como às delegações estrangeiras aqui presentes.

É dever dos comunistas e dos revolucionários ampliar a dimensão internacional e internacionalista da sua intervenção e procurar alcançar acções comuns ou convergentes em torno de objectivos concretos de luta e também na luta mais geral contra a "globalização" da exploração e da pobreza impulsionada pelas tecnologias da comunicação e informação (NTCI) e comandada pelas transnacionais.

É uma realidade que o capitalismo continua a revelar uma assinalável capacidade de adaptação, dissimulação e recuperação, mas também é uma evidência que dez anos após as derrotas e das tentativas de construção do socialismo a Leste, o capitalismo continua a não anular as suas contradições internas a condenar milhões de seres humanos à pobreza e a uma vida indigna e a alterar gravemente os equilíbrios ambientais.

Os avanços libertadores que se verificaram no século XX são inseparáveis do pensamento criador e da acção revolucionária dos comunistas. A luta pelo aprofundamento da democracia em todas as suas vertentes, a luta pela transformação social, a luta para que no século XXI o socialismo triunfe sobre o capitalismo e as suas chagas sociais, é a grande tarefa que se coloca aos comunistas.

A política do governo PS Nos últimos cinco anos o PS prosseguiu no essencial e nas questões mais fundamentais e estruturantes (privatizações, política salarial, política fiscal, política europeia) os mesmos eixos da política dos governos do PSD, embora disfarçada e embrulhada com uma grande retórica sobre a preocupação social, a chamada política do diálogo e por uma ou outra medida positiva (Rendimento Mínimo).

Para não enfrentar os grandes interesses e nomeadamente a Banca o PS protelou sucessivamente a reforma fiscal decisiva para uma política mais justa e para o êxito das reformas do ensino, da saúde e para o reforço da segurança social.

Secundarizou as actividades produtivas a favor das actividades especulativas e parasitárias. Não valorizou a agricultura e as pescas nacionais, submetendo-se quase sempre às decisões da União Europeia. Pautou a sua política por uma iníqua distribuição do Rendimento Nacional em prejuízo do "rendimento do trabalho" e por uma estratégia de competitividade assente sobretudo na política de baixos salários. Portugal é o país da União Europeia, com o mais baixo salário mínimo e salário médio, com as mais baixas reformas, com a mais alta taxa de pobreza e com o maior fosso entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres.

Beneficiando de uma conjuntura externa favorável e dos fundos estruturais o Governo PS, durante os primeiros anos conseguiu criar a ilusão de que o país ia dar passos em frente, no progresso, na modernização e no bem estar do povo.

Mas o que é verdade é que, apesar de algumas obras públicas e de algumas mudanças nas infraestruturas físicas de apoio à actividade económica e do aparecimento de algumas empresas produtivas de bom nível tecnológico, o que é marcante é a persistência de uma economia periférica e dependente e cada vez mais subcontratada, com crescentes desequilíbrios sociais.

A substituição da produção nacional pela produção estrangeira, também facilitada pelos grandes hipermercados, tem arruinado importantes unidades produtivas e tem-se traduzido num agravamento substancial do défice comercial.

Por outro lado, o crescimento do consumo privado fez-se em boa parte com o recurso ao crédito. O endividamento da economia portuguesa é hoje extremamente elevado bem como o das famílias e nomeadamente o das famílias jovens muitas das quais numa situação aflitiva e mesmo de solvência devido ao aumento dos juros.

A situação económica do país é também o resultado da demissão e do conformismo do PS em relação a orientações da União Europeia, designadamente na agricultura e pescas, manifestamente contrárias aos interesses do país. E é com acrescida preocupação que vemos também as orientações e a direcção das reformas institucionais que tendem cada vez mais a avançar para um "directório de grandes potências" que ao serviço do capital financeiro ditam as regras aos pequenos países (cooperações reforçadas, extensão do voto por maioria qualificada, ponderação dos votos de cada país...) e que tendem a esvaziar de conteúdos significativos a "agenda Social" como já se verificou nesta Presidência Francesa.

A exigência de um novo rumo para a União Europeia assente na cooperação dos Estados soberanos e iguais em direitos e que assegure a convergência real das economias, o progresso social e a defesa da dimensão ambiental do desenvolvimento tem ganho uma nova e importante dimensão nos últimos quatro anos, nomeadamente, com importantes movimentações e manifestações nos espaços nacionais e no âmbito da União Europeia.

A luta dos trabalhadores e dos povos, a luta dos excluídos sociais colocados à margem do desenvolvimento pelo capitalismo europeu, as lutas contra o racismo e a xenofobia, pela paz no mundo, a luta pela defesa do ambiente, abre espaços para a intervenção e o activismo cívico, democrático e de classe rasgando caminhos para outra Europa.

Em alguns aspectos a política europeia e as políticas de direita do Governo PS não ficaram atrás do próprio "cavaquismo".

As privatizações, num leilão que é uma autêntica mão-baixa a empresas públicas básicas e estratégicas são um exemplo claro em que o PS ultrapassou pela direita o PSD, numa política a que não é alheio o deslumbramento neoliberal do ministro das Finanças!

As recentes operações da privatização da GALP e a negociata com a ENI; da baixa da cotação das acções da EDP antecedendo a última fase da sua privatização; do negócio da TAP com os Suíços; da actual venda da Portugal Telecom, são processos escandalosos, onde correm milhões à custa do património público. E para 2001 o Governo vai ao ponto de querer privatizar as "celuloses", desmantelando o sector florestal que é um dos sectores em que Portugal pode ter uma política de fileira.

Mas não é só nas privatizações, em que o PS se assume de facto, como campeão da venda a pataco de sectores e empresas estratégicas abrindo as portas ao domínio dos grandes interesses das multinacionais, nem apenas no conformismo face à União Europeia em que o PS corre na linha da frente dos projectos federalistas.

É também o que acontece com a colocação de boys no aparelho de Estado, em que o PS se revelou campeoníssimo do "clientelismo", tendo o seu primeiro Governo efectuado em 4 anos cerca de 12 000 nomeações sem concurso de pessoal para os gabinetes ministeriais e afins, para funções de direcção e equiparadas e para comissões e grupos de trabalho e o actual Executivo ter nomeado, num ano, mais 3 600 "boys" nas mesmas circunstâncias.

E é neste quadro, e a partir de muitas das nomeações que também se acentua a interpenetração dos aparelhos de Estado do PS e dos grupos financeiros em que o poder económico, os lobbies, as organizações informais e subterrâneas alargam a sua influência e o domínio sobre o poder político.

Estas nomeações, para um Primeiro-Ministro que afirmou que com ele não haveria tachos para a rapaziada, são particularmente chocantes quando agora face às dificuldades o Governo anuncia querer efectuar extensas reduções de quadros ao serviço do Estado.

E com este exercício de poder, com estas orientações e com uma política que no essencial serve os grandes interesses o Governo vai-se desmascarando cada vez mais.

Não há área ou sector socioprofissional onde não se verifique o desencanto, a descrença e a crítica à política seguida. Mesmo nas Forças Armadas com o abandono pelo Governo da lei da programação militar aprovada na Assembleia da República, preparando-as preferencialmente para a sua integração em Forças Multinacionais e em que os problemas estatutários e de índole socioprofissional continuam sem resolução, agrava-se o mal-estar e a sua desmotivação entre militares. Do mesmo modo, continuam sem resposta reivindicações da PSP como o direito à sindicalização, a de um novo Regulamento Disciplinar e a da consagração de um efectivo subsídio de risco e de Seguro de Risco, e também as da GNR em relação, por exemplo, ao reconhecimento do associativismo da Guarda e o fim do seu estatuto militar, o que vai criando grande desalento e sentimento de injustiça.

Cresce a descrença neste Governo mesmo entre dirigentes socialistas e entre a sua base social de apoio. Aliás os últimos acontecimentos mostram um Governo com cada vez menos coesão e enredado em disputas, contradições e jogos de poder e de interesses. Entre os socialistas já se pede uma nova remodelação governamental. É significativo. A forma como foi aprovado o Orçamento de Estado, os aspectos nebulosos acerca da Fundação para a Prevenção e Segurança, as declarações do presidente da Administração Regional da Saúde do Norte, confirmando favorecer a política dos "jobs for the boys" e as peripécias que envolveram o Ministro da Justiça, o Primeiro Ministro e o Secretário de Estado das Finanças, aumentam cada vez mais em largos sectores da população o descrédito do Governo.

As criticas dos socialistas a vários ministros, e as afirmações de que "pela primeira vez estão em pré-manobras para a batalha de sucessão" são reveladoras.

O país é que não pode continuar a pagar as consequências e a factura de uma política de concentração de riqueza, nem destas lutas internas. O Governo não tem desculpas.

E como muito bem sabe para uma política de esquerda nunca lhe faltaram os votos do PCP na Assembleia da República.

O PCP é por vezes acusado pelo PS de praticar relativamente ao seu Governo uma política de "bota abaixo" de oposição e obstrução sistemática. Mas o mais elementar exame da actividade parlamentar, por exemplo, mostra a falsidade de semelhante acusação. O PCP posicionou-se claramente face à política do Governo PS como "oposição de esquerda", procurando impulsionar e aprovar tudo o que veio de positivo e combater dentro e fora da Assembleia da República, tudo o que apareceu contra os interesses dos trabalhadores, do povo e do país.

Na verdade, contas por alto, e deixando de lado propostas legislativas consensuais, como as referentes à criação de cidades e vilas, desde o nosso XV Congresso, o PCP votou favoravelmente 136 diplomas do Governo e do PS, que foram aprovados pela Assembleia da República. O PCP deu o seu voto favorável a todas as propostas que representaram avanços, mesmo que relativamente limitados.

Pelo menos, em 19 ocasiões o voto favorável ou a abstenção do PCP foram indispensáveis à viabilização de diplomas do Governo e do PS.

É o caso de importantes diplomas como: as bases gerais do sistema de Solidariedade e Segurança Social, o Regime Financeiro das Autarquias Locais, as bases da política de Ordenamento do Território e do Urbanismo, o Estatuto do Ministério Público, as alterações ao Código de Processo Penal, a Lei de Bases do Tribunal de Contas, a nova Lei Orgânica da PSP, o Regulamento Disciplinar da GNR, a transposição da directiva sobre a organização dos tempos de trabalho, o Estatuto do pessoal dirigente da Administração do Estado e Regional, a alteração do Código do Imposto de Selo, a alteração dos prazos de exclusão da ilicítude nos casos de aborto, o regime jurídico da União de Facto...

E houve até um Projecto Lei proposto conjuntamente por deputados das bancadas do PS e do PCP e que veio a ser aprovado. Foi a revisão da situação dos militares do 25 de Abril que tiveram a sua carreira prejudicada na decorrência do processo político-militar de 1975.

A partir destes dados é manifestamente absurdo insistir na tese do "bota abaixismo" do PCP. Aliás o PS não tem nenhuma legitimidade para invocar a desculpa de uma qualquer convergência de bloqueio na Assembleia.

E se o PCP não viabilizou mais propostas do PS foi tão somente porque o PS, em vez de uma política de esquerda optou por uma política neoliberal e por convergências com a direita.

Razão tem sim o PCP para afirmar que o PS, desde o nosso XV Congresso, obstruiu e inviabilizou pelo menos em 39 ocasiões, importantíssimos diplomas legislativos que, se tivessem sido aprovados, teriam permitido significativas alterações positivas às políticas prosseguidas e melhorias substanciais na qualidade de vida dos trabalhadores, dos jovens, das mulheres e dos reformados.

É o caso da actualização extraordinária das pensões degradadas, do aumento do salário mínimo nacional, da alteração do regime de despedimentos colectivos, do combate à precaridade no emprego, da garantia dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresa, da clarificação de conceitos da duração do trabalho, da atribuição do subsídio de desemprego aos docentes do ensino público; do alargamento geográfico do passe social intermodal, do programa de redução dos gastos com medicamentos; de um regime especial de acesso dos jovens a serviços de transporte saúde e cultura; da gratuidade dos manuais escolares para a escolaridade obrigatória; da regularização de estrangeiros indocumentados, das Leis Quadro de apoio ao Associativismo; de financiamento e gestão do Ensino Superior Público, da administração e gestão dos hospitais e sistemas do Serviço Nacional de Saúde, etc., etc.

Para já não falar da responsabilidade do PS na manutenção do aborto clandestino ou da redução da idade de reforma das mulheres para os 62 anos, promessa eleitoral rasgada pelo PS e cuja proposta pelo PCP foi derrotada por aquele partido na Assembleia da República.

Podemos dizer com verdade que as medidas mais positivas tomadas na Assembleia da República tiveram quase sempre a marca da iniciativa, da luta, do empenho e do voto do Partido Comunista Português.

Assim aconteceu nos Orçamentos de Estado, nomeadamente no domínio fiscal, em que o PCP apresentou sempre propostas concretas e que, por exemplo, no Orçamento de 1999, vieram a permitir que cerca de 700 000 portugueses de mais baixos rendimentos ficassem isentos de IRS e cerca de 2 milhões pagassem uma taxa inferior à do ano anterior, como largamente ficou comprovado com os reembolsos maiores que centenas de milhar de trabalhadores receberam este ano.

Assim aconteceu com muitas propostas legislativas do Partido aceites na generalidade e ainda pendentes de apreciação parlamentar. É o caso, por exemplo, da reforma dos impostos sobre o rendimento, da criação dos Julgados de Paz, da Iniciativa Legislativa Popular, da constituição de Associações Juvenis e do acesso aos medicamentos contraceptivos de emergência.

E pela iniciativa, proposta e o voto do PCP na Assembleia da República, conjugado pela luta social conseguiram-se alguns avanços legislativos.

É o caso, entre outros, da criação duma rede de serviços públicos para o tratamento e reinserção de toxicodependentes; da criação dos Conselhos Municipais de Segurança dos Cidadãos; da revisão do regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais; da proibição da discriminação dos jovens na fixação do salário mínimo; do reforço da protecção às mulheres vítimas de violência...

São Leis da República, em muitos casos fruto de lutas difíceis e prolongadas. São Leis que nem sempre correspondem exactamente ao que propusemos e desejamos, mas que representam avanços positivos na resposta aos grandes e pequenos problemas do nosso país e do nosso povo, ou que minoraram os aspectos e consequências mais gravosas das políticas de direita. São leis que seguramente prestigiam o PCP e o seu Grupo Parlamentar.

Um Partido de proposta e de luta

A intervenção do PCP para dar resposta aos graves problemas com que o país e a sociedade estão confrontados verifica-se em todas as áreas da vida nacional.

Em vez de andar a declarar uma paixão pelo ensino, para efeitos propagandísticos o PCP apresentou propostas concretas e exigiu e exige que o Governo promova uma escola pública de qualidade, que melhore os índices de insucesso escolar, que defenda o ensino superior público e assegure as saídas profissionais, combatendo uma política educativa que consagra cada vez mais um ensino de exclusão e discriminação, designadamente em função das condições socioeconómicas da população.

Em vez de andar a apresentar propostas demagógicas para enganar os reformados e obter o seu apoio para a privatização da Segurança Social para engordar as seguradoras privadas, o PCP deu uma contribuição decisiva para a aprovação de uma lei de bases da Segurança Social mais progressista, tem combatido as orientações neoliberais e defendido a melhoria das pensões e reformas, nomeadamente, as mais degradadas e o reforço e aperfeiçoamento do sistema público de segurança social como garante do efectivo exercício de um direito fundamental - o direito de todos à segurança social.

Em vez de andar a declarar, numa segunda fase, uma paixão pela saúde - como "pinga-amor" serôdio - o PCP tem apresentado medidas para dar resposta aos problemas mais agudos e tem assumido a necessidade de uma reforma democrática do Serviço Nacional de Saúde, assente num conjunto de orientações estratégicas defendendo em simultâneo a adopção de políticas prioritárias nos domínios do direito à saúde, qualidade dos serviços e dos cuidados de saúde primários, das listas de espera, dos medicamentos, da promoção dos direitos dos utentes e que preste uma atenção particular aos problemas da saúde mental, da toxicodependência, do alcoolismo e da sida, onde o nosso País ocupa o segundo lugar na Europa pelo número de adolescentes infectados. Também por isso, o PCP tem insistido na prevenção e na educação sexual.

Somos dos países que continua a ter uma das mais altas taxas de gravidezes indesejadas e de gravidezes na adolescência.

Como é sabido a partir de um projecto de lei do PCP foi aprovado a lei da educação sexual nas escolas, que esperamos seja implementada de forma séria ainda no presente ano lectivo. Também consideramos urgente a aprovação dos projectos que perspectivam a acessibilidade à "pílula do dia seguinte", sem receita médica, o que deve ser acompanhado de uma correcta informação das mulheres especialmente as jovens sobre as diferenças existentes entre a "pílula do dia seguinte" e a "pílula abortiva", face designadamente às confusão demagógica propalada pelo PSD e pelo CDS/PP.

Uma outra área onde persistem problemas graves e os sintomas de uma crise sem fim à vista é a da justiça.

Algumas medidas mais imediatas, pontualmente positivas, que o Governo tem sido obrigado a tomar, pressionado pelas condições insustentáveis em que é realizada a justiça estão a revelar-se meramente paliativas, sem atacar as causas profundas da doença.

Temos uma justiça que não realiza o princípio da igualdade, constitucionalmente estabelecido, que trata diferentemente os ricos e os poderosos (que têm acesso à informação jurídica e a bons advogados) e todos os outros que, não dispondo de meios se confrontam com uma justiça de menor qualidade.

Temos uma justiça que enche as prisões de toxicodependentes e pequenos traficantes e deixa impunes os corruptos e o grande tráfico.

Não é fácil explicar e muito menos entender, senão pela existência de uma emaranhada teia de poderosos interesses e cumplicidades que importantes e conhecidos processos da área do chamado "crime de colarinho branco", continuem a ter sistematicamente como destino o arquivamento ou a prescrição de procedimento criminal. É um verdadeiro escândalo e uma vergonha nacional, como o testemunham os recentes casos prescritos que têm vindo a público.

É este sentimento de impunidade, esta lentidão, esta desigualdade de tratamento que estão na base do descrédito da justiça, da desconfiança nas instituições judiciárias e que minam inexoravelmente o Estado de direito democrático.

É conhecido o empenhamento do PCP, no plano político e parlamentar, designadamente com a apresentação de projecto de lei, no sentido de que sejam tomadas medidas, a todos os níveis para modernizar e tornar eficaz o sistema judicial para defender a independência das magistraturas e do poder judicial, para dignificar todos os que trabalham na justiça.

Mas acima de tudo, não nos cansamos, nem nos cansaremos, de lutar por uma justiça acessível a todos sobretudo aos trabalhadores e aos mais desfavorecidos, realizada no respeito pela dignidade e igualdade dos cidadãos perante a lei.

A luta é o caminhor

Nestes últimos quatro anos, tendo em conta a dimensão, combatividade, diversidade e objectivos da luta de massas, pode-se afirmar com verdade que ela constituiu um factor decisivo para caracterizar a natureza da política do Governo PS, para a travar, e em alguns casos derrotar as suas intenções e objectivos.

E foi decisivo em toda essa luta como eixo central a luta dos trabalhadores, que também só por si impulsionou e foi acompanhada pela luta desenvolvida por outros sectores e camadas sociais que, com graus e formas diversas, procuram defender interesses e direitos concretos e específicos, maltratados e atingidos pela política do Governo PS.

As milhares de pequenas e grandes lutas realizadas, traduzidas numa larga frente social, não produziram uma arrumação de forças no plano político capaz de viabilizar uma verdadeira alternativa. Mas constituíram factores de evolução da consciência social e transformaram o descontentamento e a desilusão inicial em protesto e em intervenção.

Sobrestimando e exercitando a sua força eleitoral, o Governo PS direccionou a sua ofensiva, embora a disfarçasse com uma grande retórica social, contra direitos sociais e laborais conquistados pela luta de gerações inteiras de trabalhadores, dando cobertura aos interesses, comportamentos e objectivos do grande capital e das suas confederações.

Fê-lo quando, no quadro da redução do horário de trabalho para as 40 horas, animou e avalizou as tentativas de eliminar as pausas como tempo de trabalho efectivo.

Fê-lo quando avançou e tentou concretizar um pacote laboral com conteúdos profundamente gravosos para os trabalhadores e, em particular, para os jovens.

E fê-lo num quadro em que os direitos dos trabalhadores não eram (nem são) efectivados em milhares de empresas, de generalização de baixos salários e de crescente precariedade dos vínculos contratuais.

A resposta foi de luta. De luta notável, prolongada e com resultados, dos trabalhadores têxteis e de outros sectores em defesa das pausas e pela redução, de facto, do horário de trabalho para as 40 horas.

A resposta foi de luta contra o pacote laboral, em que a CGTP - Intersindical Nacional se reafirmou como a grande Central Sindical dos trabalhadores portugueses, pela capacidade de esclarecimento, envolvimento, mobilização, organização e participação dos trabalhadores em plenários, iniciativas e acções a nível de empresa, sector e distrito, que convergiram em grandes acções de rua, cuja expressão mais alta teve lugar na grande manifestação de 23 de Março deste ano, onde mais de 50 mil trabalhadores, num dia de semana, a maioria em greve, ali manifestaram a sua firme determinação em defender o direito ao trabalho e o trabalho com direitos, firmeza e determinação reafirmadas no dia 19 de Junho no Porto onde, sob a égide da CES, se verificou uma das maiores acções de massas de dimensão europeia.

Neste passado próximo não houve praticamente nenhum sector que não tivesse travado importantes acções e lutas, incluindo alguns que nunca tinham recorrido à greve, como foram os casos dos camionistas dos transportes de combustíveis e do sector da informática.

De destacar a greve de 78 dias, sem remuneração, dos pescadores do cerco, a conquista de uma reivindicação histórica do sector pelo direito ao contrato de trabalho a bordo.

E mesmo com o risco de omissão há que sublinhar a luta dos trabalhadores da Função Pública, das autarquias, dos professores, enfermeiros e médicos, da metalurgia e minas, do sector químico, eléctrico e energético, da construção civil, do comércio e serviços, das comunicações, dos transportes ferroviários, viários e aéreos, dos lanifícios e da indústria do papel, quantas delas silenciadas, sem visibilidade nos grandes meios de comunicação social, mas com êxitos e resultados em torno dos salários, do emprego, dos horários de trabalho, das carreiras profissionais, pela efectivação e exercício de direitos individuais e colectivos.

E que se diga, porque se provou, que em muitas destas lutas foi marcante a presença e a participação de mulheres e jovens, que todas estas acções constituíram também ânimo e estímulo à luta dos agricultores, dos reformados, pensionistas e pessoas com deficiência, à luta das populações, ao surgimento e à acção de novos movimentos sociais convocados para causas como o ambiente e a ecologia, pela igualdade e contra as discriminações, na família, no trabalho, na orientação sexual, contra o racismo e pela paz e solidariedade internacional, cujo exemplo mais exaltante e grandioso se verificou com a solidariedade com a luta do povo de Timor.

É incontornável que neste processo de resistência e luta se refira o papel ímpar e insubstituível do movimento sindical unitário e da sua Central Sindical, a CGTP - Intersindical Nacional.

Ao contrário dos vaticínios dos pessimistas e dos profetas do capitalismo e do neoliberalismo, que dataram para este final de século o fim do sindicalismo de classe, o grande projecto que a CGTP-IN consubstancia e que agrega centenas de milhar de trabalhadores portugueses continua carregado de futuro.

Porque soube fazer frente às dificuldades resultantes da precarização crescente, da saída precoce e massiva de trabalhadores pela via das pré-reformas e reformas antecipadas através de processos de reestruturação sindical, de novas sindicalizações, de filiação e aproximação de novos sindicatos, de eleição de milhares de delegados sindicais e, fundamentalmente, de desenvolvimento da acção e da organização a partir das empresas e dos locais de trabalho. Pela luta, pela acção, pela proposta na defesa dos interesses e direitos dos trabalhadores, é justo e legítimo considerar a CGTP-IN como a grande Central Sindical dos trabalhadores portugueses.

Registe-se também a acção unitária do movimento das Comissões de Trabalhadores que embora não tenha ficado imune à destruição do aparelho produtivo, constituem um importante destacamento na luta dos trabalhadores que têm dado crescentemente a sua confiança a membros do nosso Partido, pelo seu trabalho, dedicação e empenho na defesa dos direitos dos trabalhadores.

As listas unitárias detêm cerca de 80% dos mandatos e têm continuado a reforçar os votos e mandatos nas eleições mais recentes, tendo inclusivamente reconquistado, ao fim de muitos anos a maioria absoluta de mandatos em empresas como a TAP e o Metro.

Na iniciativa política e em todas estas lutas, em toda esta acção esteve o Partido. Esteve, em primeiro lugar, através da empenhada, generosa e combativa intervenção dos militantes comunistas na CGTP-IN, nas Uniões e Federações Sindicais, nos Sindicatos, nas Comissões de Trabalhadores, aliando a sua acção e intervenção com muitos trabalhadoras e trabalhadores católicos, socialistas e sem filiação partidária.

Mas o Partido, na luta pelo trabalho com direitos, pela valorização do trabalho, não aceitando mutilações à cidadania dos trabalhadores, não aceitando que a democracia fique à porta dos locais de trabalho, bem como na sua intervenção e iniciativa políticas, nas empresas, nas regiões e sectores, na Assembleia da República, na sua acção política geral, honrou e concretizou os seus compromissos com os trabalhadores, esteve lá ou foi lá, para os alertar, consciencializar e mobilizar para a acção e para a luta, com a sua organização, com as suas campanhas nacionais, com as suas propostas e tomadas de posição, estimulando o combate, devolvendo a esperança libertando energias e contribuindo para a evolução da sua consciência de classe.

Creio que podemos dizer sem jactância que estivemos à altura deste Partido das grandes causas, justiça social e valores democráticos, o Partido Comunista Português!

E estivemos também, quando apoiámos outros grandes movimentos e organizações da frente social de luta, como o movimento dos pequenos e médios agricultores, que tiveram grandes acções de protesto contra o agravamento dos principais problemas da agricultura; o movimentos dos intelectuais e quadros técnicos, camada social em rápido crescimento atingindo cerca de 20% da população; o movimento da juventude e a acção da JCP desempenhando um papel essencial na acção do Partido junto da juventude; o movimento dos reformados e o movimento dos deficientes que desenvolveram lutas significativas por reivindicações específicas; o movimento associativo popular; o movimento de defesa do ambiente; o movimento dos imigrantes, minorias étnicas e anti-racista; o movimento das mulheres que conseguiu, pela sua intervenção e luta que importantes reivindicações estivessem na ordem do dia. Quero daqui saudar a Comissão Nacional de Mulheres da CGTP-IN, o MDM e a organização das Mulheres Comunistas na sua luta comum, em defesa dos direitos da mulher e na luta contra a precarização do trabalho, as discriminações salariais e profissionais, a violência e a pobreza a falta de infraestruturas de apoio à criança e à família e a luta pela intervenção em igualdade e que têm vindo a alargar a sua acção em diversas plataformas unitárias.

E fazendo tudo o que fizémos, lutando tudo o que lutámos e propondo tudo o que propusemos, continuámos a batalhar, dia após dia, semana após semana, mês após mês, para que Portugal vença a cansada rotação entre o PS e o PSD na realização da política de direita, para que a experiência de uma política de esquerda ganhe mais apoios e vontades, para que o povo e o país conquistem a alternativa de esquerda que faz falta para responder à gravidade dos problemas nacionais, para dar outro rumo à vida, para responder às vivas preocupações dos trabalhadores e do povo e para abrir caminho à realização do projecto constitucional de uma democracia simultaneamente política, económica, social e cultural.

E que ninguém duvide que, se o Congresso aprovar a orientação política proposta, tendo diante dos nossos olhos, dia a dia, e evidência cada vez maior do desgaste e descrédito do Governo PS, e o espectáculo de uma direita que não consegue diferenciar-se do PS e de que ninguém tem saudades, continuaremos a trabalhar arduamente para que, na base do reforço do nosso Partido, do desenvolvimento da luta de massas, da intervenção institucional e da agregação de forças, energias e vontades democráticas se percorra o caminho, difícil mas indispensável, para a construção de uma alternativa de esquerda à política de direita.

As próximas batalhas eleitorais

A batalha eleitoral das presidenciais, com a apresentação da candidatura do camarada António Abreu que daqui saúdo calorosamente, há muito que está no terreno afirmando a voz do PCP, os seus distintos valores, propostas e projecto para a sociedade portuguesa, valorizando a campanha eleitoral e contribuindo para o fortalecimento da exigência popular de uma alternativa de esquerda na política nacional. Apesar das múltiplas tarefas a que o Partido tem sido chamado, tem havido um envolvimento empenhado das organizações na afirmação da nossa candidatura que é necessário prosseguir após o Congresso.

Também as eleições autárquicas em Dezembro do próximo ano que são sem dúvida uma das batalhas políticas de maior importância dos próximos tempos exigem o envolvimento de todo o colectivo partidário...

O PCP prepara-se para concorrer, à excepção de Lisboa no quadro da CDU.

Vamos ter uma batalha exigente tendo em conta que da parte dos nossos adversários, a começar pelo partido do Governo, assistiremos à utilização de poderosos meios e recursos alguns dos quais de pouca legitimidade. A intervenção já hoje patente por parte do Governo no sentido de favorecer investimentos em autarquias da sua côr, no corrupio de governantes pelo país no lançamento de primeiras pedras e inaugurações, na crescente fusão entre o Partido e o Governo são sinal de um cenário político que tenderá a acentuar-se com o aproximar das eleições.

Não é cedo para começar a preparar a nossa intervenção. Com consciência das dificuldades mas também das nossas possibilidades. É reconhecido o apoio e prestígio do trabalho do Partido e da CDU nas autarquias locais em largos sectores da população. Um trabalho que não se distingue apenas pelo volume da obra realizada e pela qualidade da sua acção, mas também pelas suas características democráticas, de aproximação às populações e aos seus problemas, de identificação com as suas principais aspirações e interesses.

E em maioria ou em minoria, a presença e as posições do PCP e da CDU são uma garantia para a defesa dos interesses populares, para a resolução dos seus problemas e para a melhoria das condições de vida e para o progresso local e regional. Confirmar as nossas posições, conquistar novas autarquias e mandatos, ampliar a presença da CDU nas autarquias do País constitui um objectivo exigente, mas possível e necessário. É com esta determinação que pretendemos partir para esta batalha política. Com justificada confiança nas nossas possibilidades de fazer progredir a nossa presença e influência nas freguesias e municípios portugueses. Uma confiança alicerçada no trabalho e na obra realizada cuja dimensão e valor não é contestado. Uma confiança suportada na disponibilidade generosa dos milhares de membros do PCP, dos "Verdes", da Intervenção Democrática e de independentes, que dão vida e confirmam a CDU como um amplo espaço de participação democrática e de realização ao serviço de Portugal e dos portugueses.

Um forte Partido Comunista para o século XXI Camaradas:

Desde o último Congresso, o Partido assegurou uma exigente resposta e desenvolveu uma dinâmica actividade tendo conseguido congregar forças e energias para progredir apesar de ter enfrentado condições objectivas adversas.

Num quadro contraditório e difícil, o Partido deu uma contribuição decisiva para o desenvolvimento da luta de massas, o que constituiu um poderoso factor de esclarecimento e desmascaramento da natureza da política de direita e da afirmação da necessidade de uma alternativa de esquerda; desenvolveu uma qualificada, dinâmica e produtiva intervenção na Assembleia da República, no Parlamento Europeu, no Poder Local e nas Assembleias Regionais dos Açores e da Madeira, onde reforçou as suas posições nas recentes eleições.

O colectivo partidário manteve uma intensa actividade, algumas vezes acima das suas forças só possível com o esforço e a extrema dedicação das organizações partidárias com a militância, a generosidade e o empenho de tantos e tantos membros do Partido.

Mas se é inegável que esta intervenção foi globalmente positiva é também verdade que persistiram problemas a que não conseguimos dar resposta, como se refere na proposta de Resolução Política e como foi também salientado no debate pré-congressual.

Mas isso, e muito mais que é por nós assumido de uma forma clara e frontal que não tem paralelo na vida política nacional, não nos tira autoridade para denunciar um funcionamento particularmente evidente e brutal nestes últimos meses, a saber um fenómeno que, mais uma vez, desvenda que são os nossos adversários e os demolidores profissionais do PCP que tem as doenças que atribuem ao PCP e aos comunistas.

São eles que só conseguem falar do PCP na base do mais impenitente dogmatismo, do mais óbvio esquematismo, da mais trágica cegueira e autismo. E avaliar até pelo gosto que tem por "fontes" anónimas, são eles, e não nós, que parecem sentir uma especial atracção e saudade da clandestinidade.

O preconceito é tão forte e enraizado e a vontade de nos apresentar como uma relíquia mergulhada em naftalina é tanta que não lhes sobra nem tempo, nem espaço, nem olhos para enfrentar o que mais lhes dói, e que simultaneamente, é uma das nossas maiores forças, uma das mais sólidas bases para o nosso futuro e um elemento essencial da nossa verdadeira identidade.

Ou seja, o nosso papel e responsabilidades na vida nacional e a forma como as honramos; as lutas e batalhas que travamos e as conquistas e avanços que alcançamos pelos trabalhadores, pelo povo e pelo país; as pequenas e grandes causas que protagonizamos com singular coragem e coerência e seriedade; a nossa densa e construtiva reflexão sobre os problemas nacionais e as propostas fundamentadas que apresentamos para praticamente todas as áreas da vida nacional o papel que atribuímos à iniciativa e à intervenção dos cidadãos na defesa dos seus interesses e na construção do seu próprio futuro; a pedagogia da dignidade humana, da insubmissão e da resistência ao fatalismo que exercemos; a isenção e honestidade que colocamos no exercício de cargos e funções públicas e a concepção da política como elevada expressão da actividade humana que praticamos.

Os nossos adversários tratam-nos como peças de museu mas é precisamente porque sabem que nós temos de facto história mas que estamos sobretudo empenhados em continuá-la e em a enriquecer; porque sabem que o nosso verdadeiro lugar, o lugar que mais faz a nossa honra e orgulho de sermos comunistas, é o lugar da vida e da luta pela sua transformação; é o lugar onde é necessário combater as injustiças e prepotências dos poderosos e erguer a voz em defesa dos explorados, oprimidos, humilhados e esquecidos; é o lugar onde importa acender a luz da esperança e da vontade de mudança.

Um dos grandes objectivos que se coloca ao nosso Partido é o da acumulação de forças no plano social, político eleitoral e institucional.

O aumento da influência do PCP, com a sua identidade própria, o reforço da sua organização e intervenção são objectivos e tarefas decisivas que se colocam a todos os militantes e organismos do Partido e que estão no centro deste Congresso.

Mas para atingirmos estes objectivos precisamos de prosseguir e concretizar orientações e medidas de fortalecimento e rejuvenescimento da base militante, de maior responsabilização dos militantes e da sua maior intervenção.

Precisamos de um maior dinamismo das organizações de base, nas lutas, problemas e aspirações dos trabalhadores e do povo bem como, das comunidades onde se inserem; de impulsionar a iniciativa política, a apresentação de propostas e medidas que tornem cada vez mais visível e mais forte a afirmação do PCP como Partido de luta e Partido de projecto.

Precisamos de adoptar linhas de trabalho, estabelecer prioridades e algumas medidas de discriminação positiva em relação às regiões e sectores onde temos menor influência, no sentido de invertermos a situação e aí aumentar a influência do Partido.

Precisamos de ser mais audazes no recrutamento e no recrutamento de jovens e de mulheres e de integrar e organizar aqueles que nos últimos anos vieram ao Partido, dinamizando a sua intervenção e aproveitando as suas aptidões, vontade, gostos e militância. A renovação e o rejuvenescimento das organizações e estruturas partidárias que tiveram uma evolução positiva nestes últimos anos não pode ser paralisada pelos problemas que o Partido viveu nestes últimos meses, ou por agora termos chegado ao Congresso. Necessitamos de novo arranque após o Congresso com grande determinação e empenho de forças. E nesse arranque terá também que se incluir a necessária revitalização e dinamização das estruturas de base.

E necessitamos de continuar a desenvolver acções para o reforço da organização e da intervenção junto dos trabalhadores, intensificar a criação de células de empresa e promover as melhores formas de trabalho orgânico e político que incentivem a militância e a participação activa dos membros do Partido e que reflictam e dinamizem o aprofundamento da democracia interna.

Em resumo, teremos de encetar um novo fôlego na concretização das direcções de trabalho que aprovámos no documento que designámos por "Novo Impulso" com direcções de trabalho que, uma por uma, estão inscritas na Resolução Política em apreciação pelo Congresso.

E isto sem deixar de ter em conta as mutações verificadas na estrutura produtiva, na alteração das condições de exploração de mão de obra centrada na desregulamentação das relações laborais, bem como o seu impacto na composição do emprego e nas modificações da organização da produção e do trabalho com reflexos bem significativos na estrutura das classes no nosso país.

E o conhecimento desta estrutura, com os pesos relativos nos planos social e regional, características, consciência de classe, elementos estruturais e de comportamento, relações sociais de classe, é da máxima importância para o Partido. A sua investigação e o seu estudo é uma exigência que nos está colocada.

A diminuição do número de assalariados agrícolas, a manutenção em termos absolutos mas em perda de efectivos em termos relativos do emprego industrial, o aumento em termos absolutos e relativos do emprego nos serviços, o aumento da participação das mulheres na composição do emprego, o aumento das formas de precaridade (20% dos trabalhadores têm emprego precário cabendo aos jovens 37% de todo o emprego com contrato não permanente), tem de ter consequências pesadas, na estrutura do Partido, na sua forma de organização e de intervenção e nas medidas para o seu reforço geral. Como dizia um clássico "devemos procurar com todas as forças estudar cientificamente os factos em que assenta a nossa política".

E do mesmo modo que "o socialismo não se constrói por decretos emanados de cima... o socialismo vivo, criador, é obra das próprias massas" e é alheio a esquemas e chavões especulativos, também o Partido necessita do envolvimento, da participação, da iniciativa e da acção dos seus militantes e precisa de conhecer com rigor a realidade onde intervém.

O reforço do Partido é decisivo para a concretização de uma alternativa de esquerda, sendo também por isso, do interesse não só dos comunistas mas também dos trabalhadores e do povo.

E estamos convictos que é possível avançar e aumentar a nossa influência.

Não desconhecemos as dificuldades nem subestimamos a ofensiva que foi dirigida contra o Partido a partir de certa comunicação social, nem os prejuízos causados pela espiral de crispação e pelos comportamentos à margem dos princípios do nosso funcionamento que se verificaram no Partido, nem a tristeza e desorientação e o desalento que estes factos causaram em tantos militantes.

Nem encaramos de ânimo leve o afastamento - que não desejámos e lamentamos - de camaradas com convicções comunistas e revolucionárias do exercício de maiores responsabilidades. Não estiveram nem estão a mais neste Partido. Certamente que continuarão a dar uma valiosa e imprescindível contribuição militante. É o que certamente todos esperamos. Nem subestimamos o peso negativo da derrota das experiências na construção do socialismo a Leste que se continua a manifestar na afirmação do nosso Partido e do nosso projecto. Mas pensamos que é possível ultrapassar estes factores negativos e também superar feridas e crispações verificadas e que devemos trabalhar nesse sentido e empenhar forças, energias e vontades que restabeleçam o estilo de trabalho do nosso Partido e as regras fraternas de convivência entre comunistas, ampliando a nossa influência na luta por melhores condições de vida dos trabalhadores e do povo, pelo progresso do País, pela democracia e pelo socialismo.

É para um Partido, comunista, aberto à vida, atento às mudanças, lutando pela transformação social, orgulhoso dos seus 80 anos de luta, mais forte e capaz de responder às exigentes tarefas e aos novos desafios que o devir lhe coloca, que temos que prosseguir o exame e trabalhar vencendo estrangulamentos conhecidos, libertando novas energias e capacidades, afirmando e projectando as nossas medidas, propostas e projecto.

O que somos o que queremos

Conhecendo-se este Partido, conhecendo-se as suas bases e as suas raízes, conhecendo-se o sentir, a expressão e a vontade deste grande colectivo partidário, sabe-se, independentemente de tal afloramento ou tal questionamento, por tal ou tal militante que a identidade do Partido não só não esteve como não está em causa.

Não avalizamos por isso escritas e leituras simplistas de um processo complexo que, no fundo, mais não procuram que justificar comportamentos e atitudes à margem dos estatutos fora e dentro do Partido, nem avalizamos a leitura do perigo da deriva socialdemocratizante, nem da deriva sectária e obreirista.

O PCP é comunista e comunista será por vontade dos seus militantes, na sua natureza de partido da classe operária e de todos os trabalhadores, na sua base teórica, o materialismo dialéctico, nos seus objectivos supremos, sendo sempre útil lembrar e não esquecer que a nossa identidade comunista representa um património aberto ao enriquecimento e à renovação e que tem um conteúdo mais rico e denso do que as breves palavras ou curtas definições com que o costumamos identificar.

Mas vale a pena reafirmar que somos um Partido que considera a sua teoria não como um receituário, como um pronto a vestir, ou como um catálogo de citações.

Já o afirmámos, e creio que vale a pena recordá-lo também, que o marxismo-leninismo não é para nós um rótulo, um slogan, nem o apego acrítico a teorias, conceitos e ideias feitas ou ultrapassadas pela vida. E há muito que no PCP se sublinhou que "maus advogados do marxismo-leninismo são aqueles que transformam os princípios teóricos em verdades eternas" ou aqueles que "transformam o principio teórico em dogma, o dogma em lei objectiva e esperam que a suposta lei objectiva, porque é objectiva, transforme a realidade segundo o princípio arvorado em dogma".

E concluímos ao examinarmos as causas da derrota do socialismo a Leste que a dogmatização do marxismo-leninismo foi uma delas, pois conduziu a deformações e erros graves na definição da orientação e na prática do partido e do Estado.

Na verdade não temos uma visão unilateral e simplista do marxismo-leninismo. Concebemo-lo como um sistema aberto e nele se verificam necessariamente evoluções de teorias e conceitos que o constituem, fruto da experiência, da prática, de novos conhecimentos e do diálogo crítico com outras teorias. Concebemo-lo como um fecundo instrumento de análise da realidade em mudança e um guia para a acção daqueles que não apenas querem interpretar o mundo mas que lutam para transformá-lo.

E neste sentido, no XIV Congresso, em 1992 alterámos os nossos estatutos sublinhando a natureza essencialmente materialista e dialéctica, da nossa base teórica e a necessidade do seu enriquecimento e renovação.

Contrariamente ao que alguns insidiosamente afirmam, não está em causa neste Congresso o "regresso à pureza ideológica", nem simplificar o que é complexo, nem fixar o que é dialéctico, nem fechar os olhos ao pulsar da vida.

Princípios orgânicos de funcionamento "Pacto de solidariedade"

Alguns dos nossos adversários e interesseiros comentadores questionam muito dos princípios orgânicos do nosso funcionamento.

Sobre esta questão, e tendo também em atenção opiniões criticas e discordâncias legitimamente enunciadas por membros do Partido, queremos relembrar e explicitar o seguinte:

Para o PCP, na estrutura e no funcionamento de um Partido Comunista não há regras intemporais e imutáveis.

O PCP condenou, condena e rejeita concepções e práticas que se desenvolveram em Partidos comunistas e nas próprias sociedade e Estados à sombra dos clássicos princípios do centralismo democrático que se traduziram num centralismo autoritário e burocrático com graves limitações e infracções à democracia interna, falseando os seus valores e objectivos.

Os princípios orgânicos fundamentais que regem a vida do nosso Partido, e que resultam do desenvolvimento específico que demos ao conceito de centralismo democrático, visam assegurar uma profunda democracia interna; uma única orientação geral e uma única direcção central; não através do puro funcionamento centralizado da estrutura hierárquica partidária mas através da militância empenhada e consciente através de uma intensa e constante participação democrática.

O aprofundamento da democracia interna é e tem de ser para nós, para todos e para cada um de nós, uma exigência quotidiana no sentido do reforço dos direitos dos militantes, da concepção e generalização da direcção colectiva e do trabalho colectivo e da descentralização de competências.

Temos seguido e cumprido estas orientações? Nem sempre. É necessário corrigir procedimentos incorrectos. Não aceitamos e estamos convencidos que o Partido também não aceita, nem os acolhe como factos consumados quer os procedimentos dos que andaram a intervir no interior do Partido, fora dos organismos respectivos, à margem dos Estatutos, quer os que andaram a intervir no exterior por intermédio da comunicação social. Não aceitamos nenhuma das práticas.

Se se pergunta:

É necessário aprofundar direitos, impulsionar a iniciativa dos militantes, dinamizar os organismos de base, ligar mais o Partido aos trabalhadores, estar mais atento aos movimentos da sociedade, aprofundar o que designámos por "Novo Impulso"? Sem hesitações, dizemos que sim.

Uma outra questão é a da circulação horizontal de informação. E sobre isto é de sublinhar que não é verdade que o militante do Partido esteja somente confinado e limitado ao seu organismo em relação ao debate de ideias. Como é sabido, temos uma importante experiência de informação e discussão horizontal através dos plenários de militantes, seminários, audições, assembleias, reuniões de coordenação, encontros nacionais, reuniões de quadros, reuniões nacionais, Conferências e, também através do "Avante!" nomeadamente, no debate preparatório do Congresso. Significa isto que, não devemos examinar esta questão no sentido de a aprofundar, de tornar mais frequentes estes espaços de debate, não só em relação a questões sectoriais, mas também em relação às questões mais gerais da táctica, da alternativa política, da organização partidária, da prospectiva, etc. Pensamos que sim.

Mesmo o "Avante" pode dar um maior contributo nesta direcção assegurando espaços de debate, de opinião, mesas redondas, sem prejuízo da sua linha editorial. É uma questão que deve ser considerada, examinada e levada à prática no quadro das nossas possibilidades.

Mas uma coisa é a circulação horizontal dentro do Partido outra através da comunicação social promovendo, como vimos recentemente quer no PSD, quer no PP, quer no PS, a "luta de galos entre barões e baronesas", que claramente rejeitamos.

E aqueles que noutros partidos, com arrogância e hipocrisia sentenciam sobre a vida interna do PCP, talvez fizessem melhor não imitarem Frei Tomás. Se olharem para a prática e para os estatutos dos seus partidos, para o seu forte centralismo, para a sua limitada e empobrecida vertente democrática, para a sobreposição da vontade do "chefe", ou dos "barões" e se o fizerem com isenção, não terão muita dificuldade em concluir sobre quem tem uma vida interna mais democrática.

Tudo devemos fazer também para desmascarar e para derrotar as linhas que no exterior e no interior do Partido se desenvolveram no sentido de criar fracturas e clivagens entre os intelectuais e a classe operária, entre os intelectuais e o Partido.

Este Partido contou sempre no seu seio com a intelectualidade progressista, com o melhor da intelectualidade portuguesa que sempre esteve lado a lado com a classe operária e os trabalhadores na luta comum pela liberdade, pela democracia, pelo bem estar do povo e pela transformação social.

No seu Programa, o PCP considera no sistema de alianças sociais uma das alianças básicas, a aliança da classe operária com os intelectuais e outras camadas intermédias. Esta é uma direcção e objectivo do PCP que não é de hoje. Por isso, continuaremos a trabalhar para que esta aliança se amplie e se aprofunde e para que se dinamize e continue a intensificar a participação, contribuição e intervenção dos intelectuais comunistas em toda a actividade do Partido.

São muitas as dificuldades que temos pela frente, mas também não são poucas as potencialidades que podemos contar em todo o colectivo partidário.

Para defrontarmos com êxito os desafios que a vida nos vai colocar para conseguirmos atingir maior força orgânica e maior influência iremos trabalhar para superar debilidades de organização, para prosseguir o rejuvenescimento e a renovação no Partido, para o reforço e constituição das organizações de base e a respectiva responsabilização de quadros, tendo mais iniciativa e acompanhamento dos problemas dos trabalhadores e das populações, procurando reforçar a organização partidária nas empresas e locais de trabalho.

Para o rejuvenescimento da acção partidária é da máxima importância o desenvolvimento do trabalho em estreita ligação e cooperação com a JCP, que tem vindo a dar neste sentido um contributo de grande importância.

Saudando a JCP, saudando a juventude comunista, saudamos a sua luta, a sua intervenção e por seu intermédio todos os jovens que no Partido alargam a nossa capacidade de chegar a mais amplos sectores da juventude. A definição e a concretização das orientações do Partido na sua política para a juventude, bem como para uma política de esquerda necessita de um maior aprofundamento e a reflexão e articulação do trabalho das várias áreas em que o Partido trabalha e se relaciona com as camadas juvenis.

E precisamos de melhorar a informação ao Partido que foi uma das questões que teve grande presença nas preocupações de muitos militantes no debate pré-congressual. E necessitamos de alargar e elevar a militância, procurando as melhores formas para a ligação e contacto com os membros do Partido.

Uma outra questão que vai exigir reflexão é o da operacionalidade e melhoria de funcionamento do Comité Central e dos seus órgãos executivos, tendo em conta a vasta experiência acumulada e os aspectos positivos e negativos detectados.

Mas para concretizarmos estes exigentes objectivos teremos de unir esforços, reforçar a unidade, aprofundar o debate e dinamizar a iniciativa e a luta. E teremos de continuar a voltar o Partido para fora, para a acção e intervenção. Queremos um Partido mais forte e mais influente para a sermos cada vez mais úteis ao nosso povo, nas suas lutas, nas suas justas reivindicações, na construção do seu futuro.

Por último, ainda uma breve referência à forma de votação. Em abstracto os Estatutos de um Partido podem impor a votação por braço no ar ou impor a votação por voto secreto. Mas não creio que se possa considerar menos democrático que sejam os membros de cada assembleia electiva a optar por uma ou outra forma de votação, como acontece no nosso Partido. Como se sabe há neste Congresso delegados que foram eleitos por braço no ar e outros por voto secreto, de acordo com a vontade maioritária das assembleias electivas.

Ao longo destes quatro anos, naturalmente com falhas, o PCP esteve à altura das suas responsabilidades perante o povo e o País e sem prosápia podemos afirmar que foi o grande protagonista da luta por melhores condições de vida para os trabalhadores e o povo, pelo progresso do País e pelo aprofundamento da democracia, a força que se bateu e se bate por novos horizontes de esperança e por uma efectiva viragem à esquerda na política nacional e quer entrar no novo século e no novo milénio com renovada audácia e determinação na luta pela liberdade, pela democracia e pelo socialismo.

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